O artigo de Fernando de Barros e Silva na Folha de S.Paulo de hoje toca numa questão geralmente esquecida, ignorada ou mesmo desconhecida da maioria das pessoas: a seleção, disposição e incidência de notícias, pela mídia, sobre os temas que o público falará e discutirá (a hipótese da Agenda Setting).
O aumento da "percepção" da violência pela população, atestado pela pesquisa Datafolha publicada ontem, coincide com a hiperexposição do assunto na mídia. A tragédia cotidiana é apresentada diariamente nos telejornais como enredo novelesco: há o mocinho, o vilão, as cenas do próximo capítulo.
É evidente que a temática da violência precisa ser discutida. Mas não dessa forma, descontextualizada, como fazem as redes de televisão. A mesma emissora que capitaneia a campanha pela "paz" nos seus telejornais, mais tarde, explora a violência em suas telenovelas como fórmula para obter mais audiência.
A "paz" roteirizada e estereotipada é servida ao imaginário popular como fruto apenas do uso da "força" pelo poder constituído. A paz social nem de longe é mencionada, como se fosse possível estabelecer a paz real sem mexer nas estruturas da desigualdade - "lugar" onde crianças, adolescentes e jovens, deixados à margem, protagonizarão a próxima barbárie para, logo mais à noite, aparecer no telejornal.
Leia a íntegra do artigo abaixo:
"A percepção de que a violência passou a figurar no topo das aflições dos brasileiros era algo óbvio para quem acompanha os rumos do noticiário nacional nos últimos meses.
Faltava-lhe apenas a confirmação estatística, obtida pelo Datafolha e divulgada ontem por este jornal. O desemprego, que reinou durante todo o primeiro mandato de Lula como maior problema do país, foi desbancado: hoje 31% dos brasileiros pedem em primeiro lugar por segurança; eram 16% em dezembro. Sim, algo mudou de figura muito rapidamente.
O que isso nos faz pensar? Seria decerto simplista atribuir tal resultado apenas à exposição do assunto na mídia. Mas ignorar o alcance desse aspecto seria outro erro, maior. Parece claro, para dar logo nome aos bois, que a Rede Globo capitaneia, pelo menos desde a morte de João Hélio, uma campanha por "justiça já" que só tende a reforçar, ainda que involuntariamente, o caldo de cultura a favor do aprofundamento das injustiças do país.
Há no ar (e na TV) um clima de "justiça justiceira", uma mistura de clamor punitivo com alarmismo social cultivado pela mídia. Serve como exemplo o reality show macabro protagonizado diariamente em horário nobre pelos pais do menino brutalmente assassinado. O "JN" os transformou em celebridades. A hiperexposição perversa do casal faz com que a dor inominável daquela família seja triturada num liqüidificador emocional até o ponto de servir de alimento ao desejo coletivo de vingança e morte.
Só num ambiente social assim, de pernas para o ar, pode-se considerar a estranhíssima "demonstração de força" da Polícia Civil na última sexta como um gesto a favor da segurança e dos cidadãos. O que se viu -sobretudo em São Paulo, onde a operação foi idealizada e de fato executada- pareceu antes de mais nada uma mistura de manobra midiática com demanda corporativa, sugerindo como saldo quase um recado das forças de repressão do Estado ao governador. Algo como: "Estamos aí, chefia"."
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