domingo, 30 de abril de 2006

ARTIGO

Liberdade de imprensa e erradicação da pobreza
Eduardo Matarazzo Suplicy

Do Blog do Noblat, hoje (www.blogdonoblat.com.br):

"Neste fim de semana estarei fora do Brasil. Estarei em Colombo, no Sri Lanka, para participar do Congresso da Unesco nas comemorações do 3 de maio, Dia Mundial da Liberdade de Imprensa. Este ano o tema principal é “A mídia e a erradicação da pobreza”.

O direito à informação e à comunicação é um dos fundamentos do estado de direito. A notícia de imprensa propicia que outras pessoas, ao tomarem conhecimento dos fatos, façam uma reflexão sobre eles e provoquem outros acontecimentos, outros pensamentos e atitudes que, por sua vez, geram outras notícias e assim sucessivamente.

Uma sociedade bem informada sabe, principalmente, quais são os seus direitos. A informação é parte da cidadania. O estudo da liberdade de imprensa, no mundo e no Brasil, mostra que, quanto mais autoritário for um sistema de governo, mais ele tentará suprimir a liberdade de imprensa e pensamento. É próprio das ditaduras, como foi dos reinados absolutos, pensar que manter a população na ignorância é manter poderes e privilégios.

Quando a corte portuguesa chegou ao Brasil, em 1808, proibiu a impressão de jornais por decreto.Isso explica por que o primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense, nasceu em Londres, no mesmo 1808, fundado por Hipólito José da Costa.

Amarthya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, ressalta que “aqueles que acham que as pessoas relativamente pobres não se preocupam com a liberdade julgam mal os pobres, julgam mal a humanidade. Temos grande interesse, mesmo quando somos pobres, na liberdade de expressão, em sermos capazes de nos expressar”. Ele lembra ainda que liberdade política representa força política, para que a população possa criticar seus governantes, caso eles não executem programas econômicos necessários para evitar a escassez e a fome. Segundo Sen, “a história da fome é, principalmente, a história da violação da liberdade política”. Ele diz que, sempre que se chega à fome, num determinado país ao longo da história, tem-se aí também o autoritarismo, onde as pessoas não podem se expressar.

Hoje, no Brasil, a liberdade de imprensa, difusão e informação está garantida na Constituição de 1988. Mas quem viveu os tempos de Estado Novo – de 1937 a 1945 – ou a ditadura de 1964 a 1985, sabe que a liberdade que temos hoje foi uma conquista do povo brasileiro. Centenas de jornalistas foram presos por informar alguma verdade que incomodava as autoridades da época e, na conta da ditadura militar, podem-se colocar 16 jornalistas mortos, como informou a Revista Imprensa tempos atrás. Todos, sem exceção, defendiam maior justiça social.

Mas o que liga a liberdade de imprensa ou ausência dela à questão da pobreza? Ora, se todos estiverem informados das ações dos governos, das empresas, do “mercado”, das idéias que circulam nas universidades, dos progressos da ciência, da tecnologia, das instituições como a polícia, o Ministério Público e a justiça, se todos souberem de tudo e formarem uma opinião a respeito do universo em que vivem, com certeza, chegarão à conclusão de que a humanidade merece um pouco mais do que tem recebido. Que é forçoso e necessário que as sociedades sejam mais justas e igualitárias para todos.

Isso está acontecendo neste momento nos Estados Unidos, onde os latino-americanos, incluindo os brasileiros, reivindicam os mesmos direitos concedidos aos cidadãos americanos. Há dois anos o filme “Um Dia sem os Mexicanos”, de Sergio Arau, mostrou o que ocorreria se os latino-americanos desaparecessem de Los Angeles. Eles formam um terço da população da cidade e são violentamente perseguidos. O filme mostra o colapso que haveria na economia e nos serviços, e causou um grande impacto na consciência da comunidade latina, levando-a a lutar por seus direitos.

São os disc-jockeys das rádios americanas, agora, que difundem a idéia de se fazer um grande protesto amanhã, dia primeiro de maio, nas cidades onde é grande a presença dos imigrantes latinos. Será uma novidade: o Dia do Trabalho, lá, é comemorado em setembro. Com certeza os Estados Unidos vão sentir o que é ficar sem um dia de trabalho dos imigrantes latinos. Eles vão fazer muita falta.

Esse episódio americano não nos deixa esquecer do papel que, hoje, pode exercer a comunicação comunitária. É saudável para a sociedade que todos possam ter o direito à comunicação, enviar as suas idéias, esclarecer as leis e os direitos, receber novas propostas de informação, publicar e interagir com determinadas comunidades, principalmente num país como o Brasil, com tanta desigualdade geográfica, cultural e social. Penso que circulação e o trânsito das idéias entre todos, levem, sim, a maior igualdade social.

Neste momento em que se fala em desenvolvimento sustentável é preciso que todos tenham acesso ao conhecimento dos seus direitos básicos, para poder exigir transparência e interação, através da comunicação, entre o governo e a população. A conquista de uma sociedade mais justa depende, obviamente, da ampliação da liberdade de opinião e da liberdade de imprensa."

Eduardo Suplicy é senador pelo PT-SP
eduardo.suplicy@senador.com.br