Vivemos mesmo no país do faz de conta. As leis existem, mas sempre há um espertinho de plantão que escorrega pela tangente e consegue burlar as normas vigentes. Na quarta-feira, 7 de dezembro, Ricardo Noblat publicou em seu blog que 31 dos 51 deputados federais investigados sob acusação de serem donos de emissoras de rádio e TV foram reeleitos.
A questão das concessões de rádio e televisão é um tabu que ilustra na medida certa o faz de conta encenado cotidianamente no Brasil.
A Constituição brasileira proíbe que políticos sejam concessionários de emissoras de rádios e TV’s. Mas até mesmo as paredes do Ministério das Comunicações em Brasília sabem que o que mais há em solo tupiniquim é político com emissora de rádio e televisão. E aí, cara pálida?
No Rio Grande do Norte, todas emissoras locais de TV estão nas mãos de políticos. A Intertv Cabugi, retransmissora da TV Globo, pertence à família do senador Garibaldi Alves Filho (PMDB) e do deputado federal Henrique Eduardo Alves (PMDB).
A TV Ponta Negra, retransmissora do SBT, é propriedade da família da vice-prefeita de Natal e deputada estadual eleita Micarla de Souza (PV-RN), filha do falecido Carlos Alberto de Souza, ex-senador potiguar – fundador do Sistema Ponta Negra de Comunicação.
A TV Tropical, retransmissora da Rede Record, é do senador José Agripino Maia (PFL-RN), candidato à Presidência do Senado, que nos últimos quatro anos ficou conhecido nacionalmente como paladino defensor da moral e da ética na política brasileira.
Ainda há a TV Potengi, retransmissora da TV Bandeirantes, que é controlada pelo ex-senador Geraldo Melo (PSDB-RN).
Para mim, o caso da TV Tropical é o mais emblemático. Todos ali trabalham para satisfazer a vontade do chefe (Agripino). Diariamente, os discursos que o senador profere em Brasília são transmitidos na íntegra em pelo menos um dos telejornais da sua emissora.
Em julho deste ano, enviei e-mail à TV Tropical para protestar contra o desvirtuamento no uso de uma concessão pública de televisão, caracterizado pela transmissão dos referidos discursos, que sempre se destinaram a cumprir fins eleitoreiros.
Reproduzo aqui um trecho do e-mail: “Considero que as questões sobre a linha editorial política da TV Tropical são muito importantes para entendermos o que há por trás da notícia que o referido veículo leva ao cidadão. Principalmente, repito, pelo fato de se tratar de uma concessão pública, que deveria ter em conta o interesse público. A transmissão quase diária dos pronunciamentos do proprietário da TV e senador José Agripino serve ao interesse de quem? Como observa a professora da USP e filósofa Marilena Chauí, estamos nos movendo num campo público de interesses, mas que é regido por interesses privados e políticos.
O cidadão comum tem que ficar em casa resignado e mudo, pois não tem como manifestar sua insatisfação com o tratamento que os grandes veículos de comunicação dão aos fatos (quando há fatos). Isso, obviamente, não acontece apenas na TV Tropical. Observo o mesmo padrão nas outras emissoras locais, que, sem nenhuma exceção, atrelam o seu conteúdo aos interesses dos grupos políticos que as controlam. Por isso, é extremamente importante tratar da necessidade de democratização dos meios de comunicação. Penso que se isso não for levado em consideração, a essência desse debate vai por água abaixo”.
Recebi uma promessa de que meus argumentos seriam levados a público, mas ficou só na promessa mesmo. Nenhum político toca nesse assunto porque isso representaria a perda de um poder que ninguém abre mão.
Experimente perguntar ao senador Agripino quando é que vence a concessão da sua TV Tropical. Aliás, tente ao menos saber no nome de quem está o contrato. Caso esteja no nome do senador, trata-se de um crime. Caso esteja no nome de outra pessoa qualquer, trata-se de um engodo para driblar a lei. O dono da TV Tropical é José Agripino.
O pior é que não há nenhum sinal de que isso irá mudar. Na terça-feira, 6 de dezembro, a Câmara Federal aprovou a outorga e a renovação das concessões de 58 emissoras de rádio e TV comerciais e de 77 educativas ou comunitárias. A votação foi feita em bloco - 135 processos foram chancelados de uma só vez. Não se sabe quem são os titulares dessas concessões. A caixa-preta da televisão brasileira continua inviolável!