De MARTA SALOMON na Folha de S.Paulo, hoje:
"A ministra Matilde Ribeiro, da Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial, criou polêmica ontem ao considerar "natural" que haja racismo de negros contra brancos no Brasil.
A nova interpretação para o que seja racismo apareceu em entrevista dada pela ministra ontem à BBC Brasil. "Não é racismo quando um negro se insurge contra um branco. A reação de um negro de não querer conviver com um branco ou não gostar de um branco, eu acho natural", afirmou Matilde quando questionada se haveria racismo de negros contra brancos no país, como nos EUA.
Na mesma resposta, a ministra ressalvou que não incitava esse tipo de comportamento, nem achava uma "coisa boa": "Mas é natural que aconteça [o racismo], porque quem foi açoitado a vida inteira não tem obrigação de gostar de quem o açoitou", disse Matilde.
As duas ressalvas foram destacadas mais tarde em nota de esclarecimento divulgada pela secretaria. Segundo a nota, a frase da ministra havia aparecido fora do contexto na chamada da entrevista pela BBC.
No espaço de tempo de algumas horas, ela passou a classificar de "condenável" o que antes chamara de "natural": "A afirmação [da ministra] apenas reconhece a histórica situação de exclusão social de determinados grupos étnicos no Brasil, que prevalece após 120 anos de abolição, e pode, por vezes, provocar esse tipo de atitude, também condenável", diz a nota.
À noite, em evento sobre reforma política, a ministra afirmou que esse tipo de comportamento ocorre "por uma questão de defesa, considerando que o racismo é um regime nefasto". "Talvez eu tenha sido infeliz na formulação [das frases]", completou.As reações começaram com nota do presidente da OAB.
Empossado ontem integrante do CDDPH (Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), Cezar Britto criticou uma possível interpretação das palavras da ministra. "Aceitar qualquer tipo de preconceito não pode ser medida eficaz no que se refere a essa mesma democracia racial", afirmou ele.
O sociólogo Simon Schwartzman disse que não ficava bem para quem ocupa função pública sancionar um comportamento "que pode ser compreensível, mas não aceitável".A ministra recebeu alguns apoios. Mas houve quem classificasse as declarações como manifestação de racismo. A Constituição passou a considerar a prática de racismo "crime inafiançável".
A entrevista à BBC foi feita a propósito dos 200 anos da proibição do comércio de escravos pelo império britânico, fato que teria dado início ao fim da escravidão no mundo."
Antropólogos criticam fala de Matilde
"Qualquer restrição a uma pessoa ou um grupo pela sua cor é racismo. Essa é a opinião de antropólogos e historiadores ouvidos pela Folha sobre a afirmação da ministra Matilde Ribeiro (Secretaria Especial de Política da Promoção da Igualdade Racial) de que "não é racismo quando um negro se insurge contra um branco".
Para o antropólogo João Baptista Pereira Borges, professor da USP, "o negro não é obrigado a esquecer a escravidão", mas o racismo não pode ser justificado historicamente. Ele diz que a atitude da ministra é reprovável, pois "toda vez que alguém faz restrição a uma pessoa ou a um grupo é racismo".
A afirmação da ministra foi classificada como "lamentável" pelo historiador da UFRJ Manolo Florentino. "O mínimo que uma ministra que ocupa esse cargo deve saber é que não existem raças." O termo politicamente correto para se referir à cor é etnia, que leva em consideração o aspecto cultural, segundo Pereira Borges.
O historiador Boris Fausto falou em racismo às avessas: "Se insurgir contra alguém pela sua cor, seja ele preto, branco ou amarelo, é racismo." Já o presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional, Flavio Pansieri, viu desconhecimento da legislação: "Esperamos uma retratação formal da ministra sob o risco de voltarmos a aplicar a lei do talião em plena democracia".
O sociólogo Simon Schwartzman disse que coisas terríveis podem ser consideradas naturais. "Uma coisa é considerar natural, outra é sancionar isso."
Já o antropólogo Otávio Velho, da UFRJ, saiu em defesa da ministra. "Concordo plenamente. Ela faz uma análise de uma situação de opressão, é compreensível que isso ocorra. Acho absurdo colocar uma reação subjetiva negativa em relação a brancos como racismo." "
Nenhum comentário:
Postar um comentário