sábado, 2 de fevereiro de 2008

Ninguém é racista aqui

Para quem acredita na idiotice de que não existe racismo nem preconceito social no Brasil, sugiro que a leitura do relato de João de Barros no site da revista "Caros Amigos" sobre a prisão do artista Nei da Silva, acusado injustamente de ser traficante. O detalhe, que faz toda a diferença aqui, é que Nei é negro e pobre.

Confira um trecho do relato:

"Valdinei de Souza Silva, o Nei da Silva, é preto e pobre. Aos 31 anos, é um dos ativistas sociais mais conhecidos na cidade do Embu, na Grande São Paulo. Escultor, poeta, professor de música, ator de teatro, coordenador da Primeira Semana Lítero-Cultural da cidade, militante do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), sempre lutou por igualdade étnica e social. Entre seus trabalhos voluntários, ele leva em conta o Índice de Vulnerabilidade Juvenil (IVJ) das comunidades mais carentes, mais propensas ao tráfico de drogas. No dia 12 de setembro passado, Nei estava de bicicleta – procurava gente para o seu grupo de teatro –, numa entrada da favela São Marcos e deu com dois rapazes, negros como ele, e começou a conversar. Entusiasmado, convidava os jovens para participar de uma peça que seria encenada dali a seis meses.

Então, surgem os policiais militares William Ricardo Pereira e Cláudio Antônio de Moraes, a pé, apontando armas e gritando: “Mão na parede! É polícia!” Nei sabia como são as batidas policiais. Reclamou da abordagem, mas afinal aceitou levar mais uma revista geral. Os policiais encontraram, dentro de uma sacola de supermercado que estava com o adolescente EAS, cem pedras de crack, vinte papelotes de cocaína, 51 porções de maconha e 312 reais em notas de pequeno valor. O menor confirmou ser dele a droga e que Nei e o menor MVO nada tinham a ver com a história. “Os três vão pro distrito”, sentenciou um policial. Nei tentou argumentar. Não tinha passagens pela polícia. Não conhecia os rapazes; arregimentava-os para levar ao teatro. Nunca mexera com drogas, portanto não era traficante, como diziam os policiais. Era um artista, que se dedicara à criação de uma casa de cultura, da biblioteca na favela do Inferninho. “Artista? Você é um negro fuleiro, corruptor de menores, um bandido filho da puta”, respondia o soldado William, também ele um negro. No Brasil, há muito tempo as PMs aboliram o princípio do direito da presunção de inocência. Todos acham que o tráfico de drogas usa os menores, para livrar a cara do adulto. Esse caso, para eles, era típico.

Na delegacia, os policiais contaram a seguinte versão: eles receberam “a informação do tráfico de drogas no local e depararam com Valdinei e os menores vendendo os entorpecentes, evidenciando-se considerável grau de organização e eficiente divisão de tarefas – com Valdinei fazendo a vigilância na extremidade da viela e o EAS menor revendendo as drogas”. Tratava-se, pois, de um crime hediondo, sem os benefícios da progressão de pena e reclusão de cinco a doze anos em regime fechado. O delegado Higino Grizio mandou então lavrar o boletim de ocorrência com o que lhe foi relatado. Ao ouvir as alegações de Nei, não quis saber de conversa. “Se você disser mais uma vez que o barato não é seu, eu lhe quebro na pancada”, ameaçou. E Nei foi levado para o Centro de Detenção Provisório (CDP) de Itapecerica da Serra, na tarde de 13 de setembro. Era o preso 494773-5."

Nei da Silva passou 96 dias preso. No restante do relato, João de Barros conta como foi a reação da mulher de Nei, Ivanete Ferreira Barbosa, 40 anos, grávida do terceiro filho, ao saber da prisão do marido e como foram estes mais de três meses do "cárcere de um inocente".

Leia a íntegra do relato no site da Caros Amigos: http://carosamigos.terra.com.br.

Um comentário:

Unknown disse...

Alisson,
infelizmente não se pode dizer que este é um caso isolado, pois me deparo sempre com eles em minha profissão.
A indignação persiste, mas a surpresa inexiste!
Presenciei várias vezes a dificuldade de muitos policiais em elaborar um pequeno texto de cinco linhas em um Boletim de Ocorrência, completamente despreparados.
O que se vê no cotidiano é que os policiais e delegados fazem as vezes dos investigadores, julgadores e executores da pena.
É uma tristeza para mim, que trabalho na área jurídica, constatar que os direitos à dignidade, à ampla defesa e ao devido processo legal são completamente negados aos pobres e/ou negros do país!
Mas essa atitude não vem apenas dos policiais, mas também dos promotores de justiça e dos proprios juízes que não deixam seus preconceitos de lado ao julgar um fato.
Quero muito acreditar que este cenário irá mudar.

Andréa Lira