quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Manual midiático prático de como burlar a lei

Multinacionais burlam legislação para entrar no setor de TV paga

O Observatório do Direito à Comunicação denuncia a ocorrência de uma prática proibida por lei: empresas multinacionais assumiram o controle de redes de TV a cabo no Brasil. O pior é que a irregularidade acontece com a aprovação do órgão que deveria zelar pelo cumprimento da lei. O Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em julho desse ano, aprovou a compra da TVA do Grupo Abril pela Telefonica de España.

Desatando o nó

A operação é um pouco complicada, mas vamos tentar entender. De acordo com o Observatório da Comunicação, A Telesp, que pertence à Telefonica, através de sua subsidiária Navytree, após a operação de compra, passa a deter 100% das ações ordinárias (com direito a voto) e 100% das ações preferenciais das operações em microondas (MMDS) da TVA (São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Curitiba). Até aí tudo bem, porque não há proibição legal em relação a uma operadora de telecomunicações ser dona de uma empresa de TV paga em microondas.

O problema é que a Telesp, através da mesma Navytree, também passa a ter 49% das ações ordinárias (com direito a voto) e 100% das ações preferenciais da TVA Sul, que opera TV a cabo nas cidades de Curitiba, Foz do Iguaçu, Florianópolis e Camboriú. A Lei da TV a Cabo (8977/95) proibe que o capital estrangeiro assuma o controle acionário de uma operadora de TV a cabo. Por isso, oficialmente, a Telesp controla 49% das ações ordinárias da TVA, ficando no limite legal. Mas, na prática, a coisa é bem diferente. Os demais 51% das ações ordinárias da TVA Sul pertencem à empresa Datalistas. O controle acionário da Datalistas, por sua vez, pertence ao Grupo Abril da família Civita. A Navytree (subsidiária da Telesp, pertencente à Telefonica) possui 100% das ações preferencias da Datalistas. Isso significa que, oficialmente, o controle da TVA Sul pertence ao Grupo Abril, através da Datalistas, mas, na realidade, a Telefonica de España assume o controle e a operação das TV's a cabo em quatro cidades brasileiras.

A propriedade estrangeira de operadoras de TV a cabo no Brasil é proibida pela Lei 9877/95.

Outro caso

O Observatório da Comunicação denuncia ainda outras operações que burlam a Lei da TV a cabo. cabo. Em março de 2006, o Conselho Diretor da Anatel também autorizou a compra da operadora de TV a cabo NET Serviços pela Telmex-Embratel, que pertence ao grupo mexicano Telmex. A NET opera em 44 cidades brasileiras, entre elas São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba, Recife, Belo Horizonte e Brasília.

As ações da NET serviços estão distribuidas da seguinte maneira:

  • Embratel: 1,86% das ações ordinárias e 8,62% da ações preferenciais;
  • Embratel Participações: 36,15% das ações ordinárias e 6,59% das ações preferenciais;
  • Globo: 1,68% das ações ordinárias;
  • Distel (subsidiária integral da Globo): 8,66% das ações ordinárias;
  • Antigos donos da Vivax (comprada pela NET Serviços): 0,64% das ações ordinárias;
  • GB Empreendimentos e Participações: controla os 51% das ações ordinárias restantes.

Ocorre que a Telmex (dona da Embratel) possui 49% das ações ordinárias e 100% das ações preferenciais da GB, enquanto a Globo detém 51% das ações ordinárias e nenhuma ação preferencial da GB. Em tese, o controle da NET Serviços pertence à Globo, uma vez que 51% das ações ordinárias da NET Serviços pertencem a GB e 51% das ações ordinárias da GB pertencem à Globo. Na prática, contudo, a maior parte do capital da NET Serviços está em mãos do bilionário mexicano Carlos Slim Helu, dono da Telmex e da Embratel.

E não pára por aí

A denúncia do Observatório da Comunicação vai mais além. A Telefonica de España também comprou a Comercial Cabo, empresa da família Civita que distribui a TVA em São Paulo. Nesse caso, além do limite ao capital estrangeiro, imposto pela Lei da TV a Cabo, os novos contratos de concessão das operadoras de telefonia fixa, em sua cláusula 14.1, vedam que uma operadora tenha, na mesma cidade, outorgas para telefonia fixa e TV a cabo. Como todos sabem, a Telefonica, dona da Telesp, opera em São Paulo e, sendo assim, não poderia participar do controle da Comercial Cabo.

Dessa forma, a Telesp-Telefonica não poderia ter mais de 19,9% das ações da Comercial Cabo, porque isso significaria sua entrada no bloco de controle da empresa. A Telefonica usou, então, o mesmo expediente empregado por ela na TVA Sul e pela Telmex na NET Serviços.


A Navytree tornou-se dona de 19,9% das ações ordinárias (com direito a voto) e 100% das ações ordinárias da Comercial Cabo. O restante das ações pertence a uma empresa de nome Lemontree. A família Civita, dona do Grupo Abril, possui 100% das ações ordinárias (com direito a voto) da Lemontree. Enquanto a Navytree (da Telesp) ficou com 100% das ações preferencias da Lemontree. Na prática, isso significa que a Telesp possui 86,7% do capital total da Comercial Cabo, contrariando de uma só vez a Lei da TV a Cabo e os contratos de concessão da telefonia fixa.

O Acordo de Acionistas


A grande diferença entre a operação de compra da NET Serviços pela Telmex e da TVA pela Telefonica é o fato de que os espanhóis resolveram ter a garantia contratual de que assumirão realmente o controle da TVA.


Segundo o acordo de acionistas, firmado entre os Civita e a Telefonica, a operadora espanhola cuidará da gerência e operação da infra-estrutura de comunicação da TVA Sul e da Comercial Cabo. E, no futuro, caso a legislação venha a permitir que a Telefonica compre a totalidade da TVA, os Civita declaram uma opção “irrevogável e irretratável” de venda de suas ações para a empresa espanhola.


Mas, de acordo com a Regulamento para Apuração de Controle e de Transferência de Controle em Empresas Prestadoras de Serviços de Telecomunicações (a chamada Resolução 101, da Anatel), aprovado em 04 de fevereiro de 1999, tanto o “uso comum de recursos materiais, tecnológicos ou humanos” quanto a “existência de instrumento jurídico tendo por objeto a transferência de ações entre as prestadoras” caracterizam uma forma de “controle vedado por disposição legal”. Portanto, segundo resolução da própria Anatel, o contrato de acionistas firmado entre os Civita e a Telefonica fere tanto a Lei da TV a Cabo quanto os contratos de renovação das concessões de telefonia fixa, porque transferem de fato o poder da Comercial Cabo e da TVA Sul para a Telefonica.

Foi assim que, de jeitinho em jeitinho, Telmex e Telefonica assumiram o controle da maior e da terceira maior empresas de TV paga do Brasil.

Nenhum comentário: