Isso é o que eu chamo de um verdadeiro tapa com luva de pelica. A notícia é do Blog de Luís Nassif.
O repórter Jon Lee Anderson, biógrafo de Che Guevara, foi procurado há umas semanas pelo também repórter Diogo Schelp, da Veja. O objetivo era uma entrevista curta para a composição da reportagem que saiu na revista a respeito dos 40 anos da morte de Guevara. É um entrevistado natural – afinal, Che Guevara, uma biografia, é a principal referência ao tema.
A própria revista, na reportagem que Anderson critica, descreve seu livro como ‘a mais completa biografia de Che’. Mas a cobertura daquele aniversário de morte já foi assunto deste Weblog.
Anderson respondeu a Diogo mas acabou não sendo procurado. Na semana passada, o veterano repórter de guerra da New Yorker teve acesso e leu a reportagem. Foi sua a decisão de tornar pública esta resposta a Schelp, que começou a circular por email entre os jornalistas brasileiros.
A original é em inglês, esta que segue é uma tradução:
Caro Diogo,
Fiquei intrigado quando você não me procurou após eu responder seu email. Aí me passaram sua reportagem em Veja, que foi a mais parcial análise de uma figura política contemporânea que li em muito tempo. Foi justamente este tipo de reportagem hiper editorializada, ou uma hagiografia ou – como é o seu caso – uma demonização, que me fizeram escrever a biografia de Che. Tentei por pele e osso na figura super-mitificada de Che para compreender que tipo de pessoa ele foi. O que você escreveu foi um texto opinativo camuflado de jornalismo imparcial, coisa que evidentemente não é.
Jornalismo honesto, pelos meus critérios, envolve fontes variadas e perspectivas múltiplas, uma tentativa de compreender a pessoa sobre quem se escreve no contexto em que viveu com o objetivo de educar seus leitores com ao menos um esforço de objetividade. O que você fez com Che é o equivalente a escrever sobre George W. Bush utilizando apenas o que lhe disseram Hugo Chávez e Mahmoud Ahmadinejad para sustentar seu ponto de vista.
No fim das contas, estou feliz que você não tenha me entrevistado. Eu teria falado em boa fé imaginando, equivocadamente, que você se tratava de um jornalista sério, um companheiro de profissão honesto. Ao presumir isto, eu estaria errado. Esteja à vontade para publicar esta carta em Veja, se for seu desejo.
Cordialmente,
Jon Lee Anderson.
E ainda tem gente, inclusive colegas jornalistas, que acham que a Veja é a melhor revista do Brasil. É triste ver que muitos companheiros de profissão aprovam o jornalismo de baixo nível que a Veja faz.
Lembro que em 2003, no I Fórum Social Brasileiro, em Belo Horizonte - MG, assisti um debate sobre rádios comunitárias e um dos debatedores (não recordo o nome) perguntou à platéia, formada majoritariamente por estudantes de jornalismo, se eles já haviam decidido por quanto iriam se vender quando se fossem jornalistas de verdade.
A pergunta, carrega de ironia nada sutil, reflete a imagem que a sociedade tem da classe dos jornalistas - mercenários dispostos a vender a ética e a consciência ao primeiro que oferecer o lance mais alto.
E o que é que nós estamos fazendo pra mudar essa imagem? Tenho medo da resposta.
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