A revista Veja da semana passada se prontificou a "desconstruir" a história de Che Guevara. Para a revista, Che foi uma grande "farsa" e o que se conta sobre ele é apenas "o mito do guerrilheiro altruísta".
Não postei nada sobre a reportagem da Veja porque, na verdade, não li a revista. Mas não precisa ler para imaginar o tom panfletário que a publicação imprime à reportagem.
Não pretendia mesmo perder tempo com a Veja. Entretanto, visitando o blog do Rovai (http://www.revistaforum.com.br/sitefinal/Blog/default.asp), encontrei ali a postagem da resposta do grupo "Izquierda Unida" à matéria da Veja.
A resposta começa citando as fontes que Veja utilizou para a reportagem:
Napoleón Vilaboa, exilado em MIAMI, que ganhou dinheiro explorando a saída de cubanos pelo porto de Mariel, em 1980, no rastro de um acordo firmado entre Cuba e Estados Unidos;
Pedro Corzo, do Instituto de Memória Histórica Cubana, sediado em, pasmem, Miami! É tão arraigadamente estadunidense que, em seu e-mail de contato, nega até seu nome latino para adotar petercorzo@msn.com;
Jaime Suchlicki, historiador cubano, da Universidade de MIAMI, é claro;
Hubert Mattos, exilado em MIAMI, ex-comandante do exército rebelde, condenado a 20 anos em Cuba por traição. Não se sabe por que razões o tirânico regime deixou-o emigrar para os EUA. Segundo a lógica do doentio jornalista, o destino mais certeiro para Mattos deveria ser a morte.
Como se vê, não foram ouvidos cubanos residentes na ilha. O argumento de Veja? Com a repressão em Cuba, eles não sairiam da ladainha oficial.
Confira agora a resposta a cada trecho da matéria de Veja:
"Trecho de Veja: “Centenas de homens que ele (Che) fuzilou em Cuba tiveram sua sorte selada em ritos sumários que não passavam de dez minutos.”
Quais? Que homens? Qual a fonte de Schelp? Uma das primeiras decisões do novo governo rebelde, e isso é fato, foi a criação de juízos revolucionários como parte de um processo conhecido como Comissão Depuradora. Todos aqueles apontados como criminosos de guerra ou associados ao regime de Batista foram levados a julgamento. Entre janeiro e abril de 1959, aproximadamente mil colaboradores do antigo regime foram denunciados e julgados por meio dos tribunais revolucionários. Cerca de 550 deles foram condenados à pena de morte. Ernesto Guevara, na condição de comandante de La Cabaña durante os primeiros meses da Revolução, teve sob seu comando os julgamentos e as execuções das penas daqueles que estavam detidos na fortaleza. Para disciplinar os juízos, estabeleceu um sistema judicial com tribunais de primeira instância e um tribunal de apelações. As audiências eram públicas e se desenvolviam como em um tribunal qualquer, com promotores de acusação, advogados de defesa e depoimentos de testemunhas, tanto arroladas pela acusação como pelos réus. A biografia de Jon Lee Anderson, citada, mas não lida por Schelp, a julgar pelo conteúdo de seu texto, mostra isso com nitidez.
(...)
Os principais algozes de Cuba, os Estados Unidos e seus aliados da Europa, vencedores da 2ª Guerra Mundial, não julgaram os criminosos nazistas de modo distinto daquele que foi adotado na Cuba revolucionária. Nem por isso houve insinuações de parcialidade contra o tribunal de Nuremberg ou o clamor mundial para que algum acusado deixasse de ser executado. Entre os condenados aos fuzilamentos em La Cabaña figuravam notórios assassinos, torturadores das forças de Batista e outros criminosos que haviam enriquecido às custas de corrupção e da exploração da miséria da maioria da população cubana.
Trecho de Veja: “Houve um golpe comunista dentro da revolução.”
Em que data isso aconteceu? O jornalista, um obstinado porta-voz da direita reacionária, é tão tresloucado em seus ataques sistemáticos à Revolução Cubana, que deve ter misturado períodos históricos. Houve um golpe de estado comunista na Revolução Russa, em 1917, quando os bolcheviques assumiram o controle do Estado e deram início a criação da União Soviética. Em Cuba, não. Fidel Castro sempre foi o líder máximo da Revolução, desde 26 de julho de 1953, quando atacou o quartel de Moncada, até tomar o poder, com amplo apoio popular (ignorado pela revista), em 1º de janeiro de 1959.
Trecho de Veja: “Ernesto Guevara Lynch de la Serna nasceu em uma família de esquerdistas ricos na Argentina.”
Mais uma atrocidade de Schelp, que sequer conhece o nome da vítima de sua caneta. O nome de Che era simplesmente Ernesto Guevara e seus pais não eram ricos nem esquerdistas. Nenhum deles tinha filiação partidária, eram abertamente contra o governo Perón, que seduziu a esquerda argentina com seus projetos voltados aos descamisados, como a primeira-dama Eva Perón costumava se referir aos segmentos mais humildes da população argentina. Ernesto Guevara Lynch e Celia de la Serna, os pais, tampouco eram ricos. Viviam como um típico casal de classe média alta, se tanto. Moraram na Recoleta, o bairro mais elegante de Buenos Aires, quando a avó de Che morreu e lhes deixou como herança um apartamento.
Trecho de Veja: “Para se livrar de Che, Fidel o mandou à Assembléia-Geral da ONU”.
Delírio absoluto. Che era o segundo nome do estado cubano, o principal porta-voz da revolução, depois do próprio Fidel. Guevara viajou a inúmeros países e assinou diversos tratados de assistência econômica e militar com outras nações socialistas. Era perfeitamente normal que representasse Cuba em uma Assembléia da ONU.
Trecho de Veja: “Como ministro e embaixador, não conseguiu o que queria”.
Texto vago, até impede um comentário mais elaborado sobre algo tão pobre. Registramos apenas que Che nunca foi embaixador de Cuba.
Trecho de Veja: "Se houve um ganhador da Guerra Fria, foi Che Guevara".
Raciocínio deplorável. O sujeito é capturado, rendido e assassinado, mas é ganhador. Pela mesma lógica, se alguém ganhou a 2ª Guerra Mundial, foram os judeus. Afinal, há 60 anos se fala em Holocausto e eles conquistaram o direito ao Estado de Israel, não importando o custo de seis milhões de mortes.
Trecho de Veja: “Fidel se desmancha lentamente dentro daquele ridículo agasalho esportivo”.
Tenha calma, Schelp. Segundo a ordem natural das coisas, você terá o imenso prazer de ver Fidel morto. Temos certeza de que até o obituário de Veja já está preparado. Agressivo, virulento, histérico, panfletário, como é de seu estilo.
Você terá seu instante momentâneo de deleite, assim como a máfia cubano-americana de Miami, ávida por retornar à ilha e transformá-la de novo em um grande cassino.
Mas daqui a 50, 60 anos, o mundo continuará relembrando o aniversário da morte de Che Guevara e, infelizmente, para os que acreditam em outra ordem social, outros tantos anos da morte de Fidel Castro.
Quanto a você, terá sido devidamente esquecido e jogado na lata de lixo reservada para os assassinos do jornalismo ético. Ninguém lembrará de sua triste passagem pelo mundo.
São Paulo, 2 de outubro de 2007.
IZQUIERDA UNIDA"
Assinam a carta-resposta Lilian Vaz (Secretária-Geral), Luiz Alberto Costa Ortiz (Secretário de Finanças), Antonio Gabriel Haddad (Secretário de Comunicação), Vera Pasqualetto (Secretária de Organização e Administração) e André Furtado (Secretário de Relações Institucionais) da Izquierda Unida.
Rovai também resgata outra reportagem da Veja, desta vez por ocasião dos 30 anos do assassinato de Che. A matéria é de Dorrit Harazim, que trabalha atualmente na revista "Piauí", também da Editora Abril. As duas matérias - a de dez anos atrás e a atual, ambas sobre Che - são diametralmente opostas e, para Rovai, "é a prova mais cabal de que nem Veja acredita em Veja".
Confira um trecho da matéria de Harazim:
"Por onde passou, na Bolívia, Guevara fez brotar, depois de morto, uma unanimidade sentimental que jamais conheceu em vida. Mudaram os campesinos que pretendia libertar, não os militares que o caçaram e abateram – estes sempre respeitaram e temeram sua valentia. Também, não era para menos. Em onze meses de guerrilha, jamais contou com mais de 38 combatentes, contra todo o Exército boliviano apoiado pela CIA. Atravessou cordilheiras áridas e quase estéreis, onde árvores não crescem. Desceu para vales por escarpas, penhascos, desfiladeiros, até sufocar na umidade do Chaco. Enfrentou meses de chuvas torrenciais e nuvens compactas de mosquitos. Em dias de sorte, comeu macaco, milho cru, rapadura com onça. Outras vezes, um passarinho apanhado teve de ser dividido por cinco..."
A Veja atual fala de Che como "farsa" e um "mito de altruísta". Em qual revista acreditar?
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