Da Folha de São Paulo, hoje:
"Há um ano, os 35 km de asfalto esburacado entre Afgooye e a capital somali, Mogadício, eram só uma estradinha típica. Hoje são um corredor repleto de miséria, com 200 mil pessoas recém-deslocadas apertadas em campos inchados onde o estoque de comida está no fim. Altos funcionários da ONU disseram que a Somália tem índices mais altos de desnutrição, mais derramamento de sangue e menos funcionários de organizações humanitárias do que Darfur, no Sudão.
Combates urbanos constantes em Mogadício entre um governo de transição impopular -instalado em parte com a ajuda dos EUA- e uma insurgência islâmica determinada têm levado multidões de desesperados à estrada. As pessoas nesses acampamentos passam fome, vivem ao relento, estão doentes e moribundas. E as poucas organizações humanitárias que se dispõem a enfrentar o ambiente perigoso, em que nenhuma lei vigora, não dão conta de atender às necessidades mais básicas das pessoas.
"Muitas dessas crianças vão morrer", diz Eric Laroche, chefe das operações humanitárias da ONU na Somália. "Se isso estivesse acontecendo em Darfur, haveria uma grande repercussão. Mas a Somália é há anos uma emergência esquecida." "A situação na Somália é a pior do continente", afirma Ahmedou Ould Abdallah, o mais alto representante da ONU para o país. Essa situação inclui inundações, secas, gafanhotos, atentados, bombas e assassinatos políticos quase diários.
Funcionários da ONU hoje admitem que o país estava em situação melhor durante o breve reinado do movimento islâmico somali, no ano passado. Ould Abdallah descreveu como "a era de ouro da Somália" aqueles seis meses -o único período de paz vivido pela maioria dos somalis em anos.
Mas quando o movimento islâmico de base emergiu do caos dos clãs e assumiu o controle de boa parte da Somália em meados de 2006, os EUA e a Etiópia, país vizinho e rival, apressaram-se em rotular os islâmicos como ameaça e a acusá-los de abrigar a Al Qaeda. A esmagadora invasão etíope, apoiada pelos EUA, ajudou um governo de transição a chegar a Mogadício em dezembro.
Desde então, esse governo vem lutando contra uma insurgência que soma islâmicos, clãs rivais e aproveitadores. Está claro que alguns dos problemas da Somália não são culpa do governo. Mas a maioria dos diplomatas ocidentais concorda que, se o governo de transição não fizer gestos de aproximação com elementos islâmicos, ele irá fracassar, como os 13 governos de transição que o precederam."
Nenhum comentário:
Postar um comentário