domingo, 18 de novembro de 2007

Fato ou opinião?

A separação entre fato e opinião é uma das premissas básicas do jornalismo. Nos últimos tempos, porém, essa separação deixou de existir na prática. A grande mídia, que desde a eleição do presidente Lula vem atuando sistematicamente como um partido de oposição, derrubou o muro que separava fato e opinião.

A manchete de hoje do portal UOL é um bom exemplo disso: "Cisco usou 'laranjas' para doar R$ 500 mil ao PT".

A manchete da capa da Folha de São Paulo atribui a informação à Polícia Federal: "Cisco usou 'laranjas' para doar R$ 500 mil ao PT, afirma PF".

O verbo "usou", nos dois casos, é empregado como opinião. No primeiro caso, o portal não disfarça a opinião. A Folha ainda tenta suavizar, recorrendo à expressão "afirma PF", mas a opinião vem antes do registro da fonte e mostra o que tem mais importância para o jornal.

A Folha poderia ter dado a manchete de outra maneira: "PF afirma que Cisco usou 'laranjas' para doar R$ 500 mil ao PT". Ao inverter a ordem, o jornal deixou claro sua opção editorial pela opinião em detrimento da notícia.

Na matéria, a Folha diz que o PT recebeu R$ 500 mil em doações das empresas ABC Industrial e a Nacional Distribuidora de Eletrônicos Ltda. Essas empresas, segundo o jornal, seriam “laranjas” da Cisco, multinacional investigada no Brasil por suspeita de ter fraudado a Receita Federal em R$ 1 bilhão.

A conclusão da PF, segundo a Folha, testando hipóteses, é que em troca das doações, o PT teria atuado para que uma empresa ligada à Cisco fosse favorecida em um pregão da Caixa Econômica Federal.

A fonte das acusações não é revelada. O jornal limita-se a dizer que são dois executivos da Cisco.

O jornal parte da premissa, antes do fim da investigação da PF, que a Cisco realmente usou empresas laranjas para doar dinheiro ao PT e que o partido favoreceu mesmo a Cisco na CEF. A defesa do PT é publicada apenas como mera formalidade jornalística - mesmo assim, em espaço muito menor que o dedicado à acusação.

Como diz a filósofa e professora da USP Marilena Chauí, acusações são publicadas em machetes garrafais e depois são desmentidas em cantos de página.

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