quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Veja e a história do falso dossiê contra Lula

O novo capítulo do "Dossiê Veja", escrito por Luis Nassif, contando a verdadeira história da revista, está imperdível.

Nassif conta a história do falso dossiê de Daniel Dantas sobre supostas contas no exterior de "gente grande" do governo, inclusive do próprio presidente Lula.

Daniel Dantas entregou o falso dossiê ao diretor da revista Eurípedes Alcântara. O documento também foi entregue a Diogo Mainardi.

O repórter Márcio Aith investigou e descobriu que o dossiê era falso. Mesmo assim, a revista publicou a falsificação de Daniel Dantas como se fosse uma denúncia sólida.

Veja chegou a prever que o governo Lula estava "a caminho da desintegração".

Confira trechos do capítulo:

"Há um princípio básico de jornalismo: quando está configurado que a fonte tentou enganar o jornalista, é obrigação do jornalista denunciá-la. Eurípedes resistiu a divulgar o nome de Dantas. Houve discussão interna. Não havia como fugir do levantamento de Aith mas, por outro lado, Eurípedes queria defender o aliado.

Aith cedeu. De um lado, admitia-se que a fonte era Dantas. Mas foram tais e tantas as tentativas de salvar a cara do banqueiro, que a matéria transformou-se em um pterodáctilo, um bicho disforme e mal acabado.

O "prego sobre vinil" era claro.

Aith cometeu o erro de sua vida, concordando em assinar a matéria. Ganhou um boxe especial, cheio de elogios, e a primeira mancha grave na sua até então impecável folha de serviços jornalísticos. Veja não se limitava a apenas a “assassinatos de reputação” de terceiros, mas a destruir a reputação dos seus próprios jornalistas.

Começava pela capa. A chamada não mencionava dossiê falso. Pelo contrario, apresentava a falsificação como se fosse algo real:

“Daniel Dantas: o banqueiro-bomba. O seu arsenal tem até o numero da suposta conta de Lula no exterior"

A matéria não tinha pé nem cabeça. As investigações de Aith já tinham confirmado tratar-se de uma falsificação preparada por Dantas.

Mas o “lead” da matéria falava o contrario:

"O banqueiro Daniel Dantas está prestes a abrir um capítulo explosivo na investigação sobre os métodos da "organização criminosa" que se instalou no governo e o estrago causado por ela ao país".

O primeiro parágrafo inteiro, em vez de realçar o furo de Aith – a descoberta de que era um dossiê falso – dizia que:

"Na sessão, o senador Arthur Virgílio (PSDB-AM) revelou o teor de um documento no qual o banco Opportunity, controlado por Dantas, diz ter sofrido perseguição do governo Lula por rejeitar pedidos de propina de "dezenas de milhões de dólares" feitos por petistas em 2002 e 2003. A carta, escrita por advogados de Dantas e entregue à Justiça de Nova York, onde o banqueiro é processado pelo Citigroup por fraude e negligência, é só o começo de uma novela que, a julgar pela biografia de Dantas, não se resume a uma simples tentativa frustrada de achaque".

Prosseguia a matéria:

"Para defender-se das pressões que garante ter sofrido do PT nos últimos três anos e meio, Dantas acumulou toda sorte de informações que pôde coletar sobre seus algozes. A mais explosiva é uma relação de cardeais petistas que manteriam dinheiro escondido em paraísos fiscais".

Ia mais longe:

"Além disso, Dantas compilou metodicamente não só os pedidos de propina como também as contratações e os pagamentos efetivamente feitos para tentar aplacar as investidas do atual governo sobre seus interesses. Se pelo menos uma parte desse material for verdadeira, o governo Lula estará a caminho da desintegração"

Esse tipo de menção ao poder terrível do banqueiro, era um convite ao achaque. Na mesma matéria, Veja justificava a publicação do dossiê como forma de prevenir achaques:

"Ao mesmo tempo, isso (a publicação do dossiê) impedirá que o banqueiro do Opportunity venha a utilizar os dados como instrumento de chantagem em que o maior prejudicado, ao final, seriam o país e suas instituições".

A conclusão final era risível:

"Por todos os meios legais, VEJA tentou confirmar a veracidade do material entregue por Manzano. Submetido a uma perícia contratada pela revista, o material apresentou inúmeras inconsistências, mas nenhuma suficientemente forte para eliminar completamente a possibilidade de os papéis conterem dados verídicos".

Só então entrava no conteúdo das apurações de Aith.

A entrevista armada

Pior: em uma matéria em que Dantas era desmascarado como autor de documentos comprovadamente falsos, Eurípedes colocou um membro do quarteto ligado a Dantas – Diogo Mainardi – para permitir ao próprio banqueiro fazer sua defesa.

Não era uma entrevista normal. Sua leitura induzia qualquer leitor atento a concluir que as perguntas foram formuladas por quem respondeu. Cada pergunta levantava uma bola para o banqueiro bater em sua tecla de defesa: a de que seus problemas eram decorrentes de perseguição política – na mesma matéria em que se demonstrava que ele próprio recorria a dossiês falsos para achaques.

O nível do ping pong era da seguinte ordem:

POR QUE O GOVERNO QUERIA TIRAR O OPPORTUNITY DO COMANDO DA BRASIL TELECOM?

Porque havia um acordo entre o PT e a Telemar para tomar os ativos da telecomunicação, em troca de dinheiro de campanha.

A TELEMAR ACABOU COMPRANDO A EMPRESA DO LULINHA. POR QUE VOCÊS TAMBÉM NEGOCIARAM COM ELE? ERA UM AGRADO AO PRESIDENTE LULA?

Nós procuramos de todas as maneiras diminuir a hostilidade do governo.

O EX-PRESIDENTE DO BANCO DO BRASIL CÁSSIO CASSEB DISSE AO CITIBANK QUE LULA ODEIA VOCÊ.

Casseb disse também que ou a gente entregava o controle da companhia ou o governo iria passar por cima.

A entrevista assinada por Mainardi terminava apresentando Dantas como vitima de achacadores, e não como quem tinha acabado de produzir um dossiê falso, com o claro intuito de achacar:

"Agora releia a entrevista. Mas sabendo o seguinte: Daniel Dantas cedeu aos achacadores petistas. Ele e muitos outros".

Pelas informações que correram na época, o máximo que Aith conseguiu, como contrapartida ao fato de ter concordado em assinar aquele texto, foi uma matéria na edição seguinte, contando em detalhes como o dossiê chegou à revista: entregue pelo próprio Dantas ao diretor Eurípedes Alcântara. Eurípedes só cedeu porque percebeu que a falta de limites o colocara na zona cinza que separa a legalidade da ilegalidade.

De nada adiantou o escândalo, de nada adiantou saber da capacidade do banqueiro em inventar dossiês. A mídia estava completamente anestesiada. Mesmo com o absurdo dessa matéria, o quarteto de Veja continuou com autorização para matar.

As referências a informações e dossiês de Dantas, ao seu poder ameaçador, passaram a ser freqüentes nas notas de Lauro Jardim e Mainardi."

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