quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Miséria S.A.

O título acima é emprestado da música homônima do grupo O Rappa, que em seu cd de estréia [Mundi] cantava assim a pobreza nossa de cada dia:

"Senhoras e Senhores estamos aqui
pedindo uma ajuda por necessidade
pois 'temo' irmão doente em casa
qualquer trocadinho é bem recebido
vou agradecendo antes de mais nada
aqueles que não puderam contribuir
deixamos também o nosso muito obrigado
pela boa vontade e atenção dispensada
vamo agradecendo antes de mais nada

bom dia passageiros
é o que lhes deseja
a miséria s.a.
que acabou de chegar"

É esse mesmo discurso, apenas com palavras diferenciadas, que escuto quase todos os dias quando entro num busão e me locomovo pela cidade rumo ao trabalho, à universidade, ao cinema, à praia e na volta para casa.

A foto que vocês estão vendo foi tirada com meu celular numa dessas idas e vindas pela cidade. O menino pedia ajuda para comprar comida para seus irmãos mais novos que teriam ficado em casa. Ele dizia que seu pai estava preso e sua mãe desempregada. Vendia jujubas por um real. Muitos passageiros se sensibilizaram com sua história e compraram o saquinho com as jujubas.

O menino era falante, se comunicava bem e tinha um jeito que cativava mesmo. Era, como se diz na gíria, desenrolado. Não sei o nome dele. Pensei em perguntar, mas desisti, por medo de que ele se sentisse intimidado. Não sei onde ele mora, quantos irmãos tem, como é sua casa (se é que ele vive numa casa de verdade), não conheço sua mãe e também desconheço motivo do pai dele estar preso.

Aquele menino, ali naquele ônibus, vendendo jujubas, é para mim o retrato de uma tragédia. A tragédia do abandono das nossas crianças. A tragédia da banalização da miséria. A tragédia da indiferença de todos nós, que faz de cenas como essa da foto uma coisa cotidiana, que não choca nem nos deixa mais indignados.

Há muitos deles pela cidade. Já encontrei vários em outras viagens; alguns, mais de uma vez. Apesar de me sentir profundamente triste com a situação, evito dar qualquer trocado ou comprar as canetinhas e as guloseimas que eles oferecem.

É preciso manter a razão no lugar num momento assim e discernir as coisas. Não é dando trocados nem alimentando a exploração do trabalho infantil que vamos tirá-los da miséria. Não me pergunte o que fazer, porque também não sei.

Hoje (quarta-feira, 12 de dezembro), nossos senadores em Brasília discutem se devem aprovar ou não a prorrogação da CPMF. Assisto discursos acalourados de aliados do governo e da oposição, respectivamente a favor e contra a prorrogação do tributo. Espero um dia ver esses mesmos senadores discursando em busca de um consenso sobre como acabar com a miséria no Brasil, para que eu não tenha que encontrar mais meninos vendendo jujubas nos ônibus, quando eles deveriam estar na escola.

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