domingo, 30 de dezembro de 2007

Lula deveria ser escolhido personalidade do ano

Da seção “TENDÊNCIAS/DEBATES”, na Folha de hoje:

Lula pode fazer de 2008 um ano muito bom

ROGER NORIEGA*

A CADA ano, a venerável revista norte-americana "Time" escolhe um importante protagonista dos acontecimentos mundiais como "pessoa do ano". Ao explicar a seleção do presidente russo Vladimir Putin para essa distinção, em 2007, os editores de "Time" apontaram para o impacto dramático que o controverso líder exerceu ao restaurar a auto-estima de um país importante. Antecipando críticas à escolha do autocrata, eles admitem que Putin "representa, acima de tudo, estabilidade -estabilidade acima da liberdade, estabilidade acima da escolha...".

Nos termos dessa definição, uma seleção muito melhor como pessoa do ano teria sido Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente da República Federativa do Brasil. Ao escolher Lula, "Time" não precisaria se desculpar por ter selecionado um autocrata, porque Lula é o "democrata" definitivo. Tendo em vista suas origens notavelmente humildes, ele fez uma contribuição à humanidade simplesmente por ter sido eleito.

Ao contrário do voluntarioso Putin, Lula conquista o sucesso ao provar que não é necessário sacrificar a liberdade em nome da estabilidade e que não existe motivo para ceder a liberdade política em troca de oportunidades econômicas. (...) O Brasil é um país respeitado e influente e serve de força propulsora à auspiciosa meta de integração sul-americana. Ainda que suas instituições não sejam perfeitas, ao contrário do que acontece na Rússia, elas vêm sendo reforçadas a cada dia.

O Brasil é uma das mais estáveis democracias mundiais, uma realização notável dado seu caráter multiétnico, sua diversidade geográfica e a grande proporção de sua população que continua vivendo na pobreza -motivos suficientes para que concedamos certa dose de respeito aos seus líderes.

Lula trabalhou nos limites de um processo livre e pluralista a fim de atingir sua meta de romper o ciclo de expansão e contração que afligia a economia brasileira havia gerações. Ainda que seja elogiado por ter mantido as políticas macroeconômicas "ortodoxas", sua maior contribuição está no reconhecimento de que o crescimento econômico e a justiça social são metas indispensáveis e complementares. Em lugar de recorrer a uma retórica populista vazia e divisiva, Lula está implementando programas práticos de combate à fome e à pobreza que vêm se tornando exemplos concretos para o resto do mundo.

Dados seus antecedentes como negociador sindical, Lula consegue observar a pessoa do lado oposto da mesa, avaliá-la e obter o melhor acordo para seu povo. O relacionamento pessoal inexplicável que estabeleceu com o presidente Bush pôs o Brasil como parceiro igual de Washington. Talvez o ponto mais forte de Lula seja que, diferentemente de Putin e de alguns dos líderes do setor de política externa do governo brasileiro, ele não considera que o relacionamento com os Estados Unidos seja uma questão definida em branco e preto. E sua persistência e autoconfiança representam o Brasil com perfeição.

Lula pode tornar a economia brasileira inabalável caso liberalize o mercado de trabalho, reforme o antiquado sistema tributário, dê incentivos ao setor de alta tecnologia e proteções dignas de um país de Primeiro Mundo à propriedade intelectual.

Ao fazê-lo, pode garantir que o Brasil concorra efetivamente pelo capital mundial necessário para sustentar um ritmo elevado de crescimento, gerar os milhões de empregos que representam a cura da pobreza e conduzir a economia brasileira a uma órbita mais elevada. Isso fará do Brasil um gigante industrial por direito próprio, em vez de um simples armazém de matérias-primas para a China.

Lula também pode resgatar sua política de comércio internacional das garras dos burocratas. Ele ocupa posição ideal para salvar um acordo mundial de comércio baseado em regras comuns, a fim de proteger os interesses das pequenas economias, pôr fim aos subsídios agrícolas que prejudicam os agricultores do Terceiro Mundo e gerar ampla prosperidade.

Por fim, Lula precisa encontrar uma maneira de domar os vestígios de corrupção que ainda afetam a maioria dos países da região. Um Estado de Direito é essencial a um governo responsável, à estabilidade política e a uma economia de mercado florescente. Não é tarde demais para enfrentar a praga da corrupção. Lula pode não ser um homem perfeito, mas é um bom homem. E mesmo a revista "Time" deveria reconhecer que um verdadeiro democrata e reformista é melhor que um autocrata superlativo -em qualquer lugar, em qualquer ano.

________________________________________
ROGER NORIEGA , diretor do escritório de advocacia Tew Cardenas e pesquisador visitante do American Enterprise Institute, foi secretário-assistente do Departamento de Estado dos EUA para o Hemisfério Ocidental (2001-2005) e embaixador na Organização dos Estados Americanos.

Nenhum comentário: