terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O Governo Lula, o caso Battisti e a esquerda

Mino Carta, sem sombra de dúvida, é um dos maiores jornalistas do país. O superlativo não é à toa. Mino tem idéias próprias, convicções que não negocia e personifica o verdadeiro espírito do jornalismo: nunca, jamais, em hipótese alguma se faz escambo com a verdade ou se abre mão do direito sagrado de discordar.

O texto a seguir, retirado do seu blog, é uma dessas peças que, como jornalista, me enchem de orgulho. É a reafirmação da independência, espírito livre e consciência democrática. Valores que não se perdem com a conveniência do momento ou do poder estabelecido.

Os míopes, fascistas e reacionários não entendem, porque defendem o velho dogma que prega "aos amigos, as benesses da lei... aos inimigos, a severidade da lei". Suas consciências são elásticas, seu senso de justiça é perigosamente seletivo e sua ideologia muda conforme a direção do vento - tudo para agradar "o patrão".

Vamos ao texto do Mino:

O Febeapá e a esquerda

O desenfreado Febeapá originado pelo Caso Battisti tem o poder de me desanimar. É a prova da ausência de uma opinião pública contemporânea do mundo, à altura de um país digno de ocupar o lugar que, de fato, lhe compete. Espanta-me a quantidade de pessoas que acreditam ser de esquerda e, de verdade, são fascistas.

Confesso que nunca me deixei impressionar por muitos entre os dispostos a se dizerem esquerdistas. Talvez, a maioria. Haja vista algumas figuras exemplares. FHC, José Serra, Francisco Weffort (grande ideólogo do PT em suas origens), Roberto Freire, Jarbas Vasconcellos etc. etc. Jornalistas às pencas, professores universitários aos magotes. Etc. etc.

Há também alguns heróis, gente de coragem e fé, como Marighella ou Joaquim Câmara Ferreira, mas são exceções, como são os jornalistas e os acadêmicos que permaneceram fiéis às suas origens, como Raimundo Pereira ou Duque Estrada.

Quanto ao Lula, por quem tenho amizade e afeto, ele mesmo me disse no decorrer de uma entrevista de fins de 2005: “Você sabe que nunca fui de esquerda”. Pois acho que foi de esquerda sim, como cabe a um extraordinário líder sindical e ao fundador do Partido dos Trabalhadores, de saída baseado em uma plataforma ideológica muito avançada. Hoje prefere, porém, sair pela tangente.

Pois é, CartaCapital apoiou a candidatura Lula em 2002 e 2006, pronta pagar um preço elevado a ser acusada, quid demonstrandum est, receber em troca a benesses publicitárias do novo governo. Contra todas as evidências, aliás. A semanal CartaCapital, de política, economia e cultura, teve volume de publicidade governista menor do que a quinzenal Exame, de business.
Sem contar as suspeitas de empresários e publicitários, inclinados a crer que estamos aqui a pregar a subversão. Até hoje, vez por outra, somos qualificados como menestréis de Lula e de seu governo.O qual nunca deixamos de criticar, até asperamente, quando entendemos que a crítica se justificava.


Diga-se que o governo de Lula não foi e nem é de esquerda, muito pelo contrário. Conservador, assim o define a The Economist, que de passagem o espinafra em relação ao Caso Battisti na edição desta semana. A política econômica, condenada por CartaCapital, desde os começos, favoreceu os mais ricos e a exploração bursátil, comandada por uma centena de pessoas.
Na política social, outras decepções. É desta semana uma reportagem de CartaCapital, assinada por Sergio Lirio, motivada pelo aniversário do MST, a informar que em termos de assentamentos no campo o governo de Fernando Henrique foi mais eficaz que o de Lula.


Quanto ao Bolsa Família, é a migalha a cair da mesa dos ricos e a sugerir tristes conclusões: bastam 50 reais para fazer a felicidade da maioria dos brasileiros. E isso diz tudo, no país que até hoje figura entre os de pior distribuição de renda, juntamente com Serra Leoa, Nigéria e outros quetais.

A conjuntura econômica mundial por alguns anos favoreceu Lula e as nossas exportações, houve acertos inegáveis na construção de reservas conspícuas e na liquidação da dívida externa, embora seja forçoso reconhecer que o Brasil, ex-exportador de borracha, de açúcar, de café, hoje continua a exportar commodities. Soja e minério de ferro, este, aliás, sempre presente, já que somos donos de mais de 40% do ferro do mundo.

Entramos, porém, em um ano muito difícil, mais do que se imaginou em um primeiro momento. Ao cabo deste sumário balanço, anoto que muito interessante, e positiva, foi a política internacional brasileira. Não precisávamos do Caso Battisti.

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