quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Pelo fim da democracia sem povo

Da redação da Carta Capital, nº 432 (21 de Fevereiro de 2007):

"O governo federal recupera projeto da OAB que permite à população convocar plebiscitos

Sob críticas da oposição, o governo federal deve reenviar ao Congresso um projeto de lei, proposto pela Ordem dos Advogados do Brasil em 2004 e arquivado no início deste ano pela Mesa da Câmara, que regulamenta os dispositivos para a realização de referendos populares. Árduo defensor dos plebiscitos, Fábio Konder Comparato, professor de Direito da Universidade de São Paulo, rebate as acusações de que esse instrumento democrático possa estimular o autoritarismo e a anarquia política.

CartaCapital: Como o senhor avalia a proposta de permitir e regulamentar os referendos?

Fábio Konder Comparato: A proposta é da Ordem dos Advogados do Brasil. Escrevemos um manifesto, que contou com a assinatura de quase 40 entidades da sociedade civil. O objetivo é aprofundar os mecanismos de democracia direta e participativa. Não é mais possível, depois de um quarto de século de marasmo econômico e desagregação social, que o povo continue à margem do processo político. É preciso criar mecanismos para corrigir os abusos no sistema de representação popular. Os parlamentares não gozam da confiança popular. Uma enquete do Ibope revelou, recentemente, que apenas 10% da população apóia o Congresso Nacional. Além disso, é necessário reformular os poderes do Estado. O Brasil está há 25 anos sem rumo, sem projeto de desenvolvimento. Isso não acontece por incompetência ou corrupção, mas porque o sistema estatal de organização de poderes é inepto para o desenvolvimento nacional. O desenvolvimento nacional exige políticas de longo prazo, como as adotadas pela China e Índia. Mas, no Brasil, quase tudo está ligado à Presidência da República. A concentração de poder torna impossível o desenvolvimento nacional.

CC: E quem teria a responsabilidade de elaborar esse projeto?

FKC: Um órgão de planejamento autônomo, com a participação efetiva dos setores dinâmicos da sociedade civil. Empresários, trabalhadores, conselhos populares. Isso evitaria a burocratização do planejamento. Esse órgão deve ter autonomia para apresentar ao Congresso Nacional projetos de desenvolvimento nacional, indicando o orçamento necessário para o programa. E o Congresso não teria o poder de emenda. Ou aceita, ou rejeita.

CC: Apesar de as propostas preverem iniciativas de democracia direta, grupos de oposição identificam um viés autoritário no projeto. Insinuam que o presidente Lula usaria os referendos para se perpetuar no poder.

FKC: Na política, o veneno existe em todo lugar. Pelo projeto, o presidente da República não tem poder de convocar o povo. O plebiscito só pode ser convocado por iniciativa popular ou com a aprovação de um terço da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Eu não sei por que os parlamentares não perceberam como isso vai fortificá-los no debate político, porque a oposição passa a ter agora um canal de comunicação direta com o povo. Acaba o rolo compressor. Estamos perfeitamente conscientes de que o plebiscito foi usado historicamente como reforço de ditaduras, uma espécie de legitimação absurda de governos autoritários, que usam o povo como massa de manobra. As leis raciais de Hitler, por exemplo, foram aprovadas por mais de 90% do povo. Isso deve ser levado em conta. Mas os jornais esqueceram de divulgar que, pelo projeto, o Executivo não pode convocar um referendo popular, ele está alijado desse mecanismo.

CC: O projeto também prevê que a população poderá interromper o mandato de representantes políticos por meio de um plebiscito...

FKC: O recall político não tem nada de revolucionário. Catorze estados da federação americana usam esse dispositivo. A Suíça tem o recall há dois séculos e nunca ninguém disse que isso era uma anarquia revolucionária. Ao contrário, a iniciativa contribui para esclarecer as coisas. O povo passa a entender que ele é dono do mandato, e não o eleito."

Nenhum comentário: