O artigo de Fernando de Barros e Silva na Folha de São Paulo desta segunda-feira é a síntese do show sensacionalista em que se transformou a cobertura 'jornalística' do caso da menina Isabella Nardoni.
Clóvis Rossi, ontem no mesmo jornal, disse que "o caso da menina Isabella parece ter levado a um mergulho ainda mais acentuado na barbárie" e que a "selvageria cotidiana" de São Paulo atiça e cutuca "os piores demônios que se escondem nos recônditos da alma". O colunista se referia à multidão que se aglomerava em frente à delegacia e queria linchar o pai e a madrasta da menina, acusados de assassiná-la.
Rossi atribuiu a "barbárie" à "selvageria cotidiana", mas esqueceu que a mídia não é inocente. A cobertura dada ao caso funcionou como catalisador e direcionador da ira irracional das pessoas. Essas reações que agora vemos manifestadas foram sim estimuladas pela forma sufocante e massificadora como a mídia tratou o episódio.
Fernando de Barros e Silva vai direto ao ponto e chama o show midiático de "Teatro dos vampiros", que é o título do seu artigo. Leia a íntegra abaixo:
Perto do fim de "Budapeste", José Costa (ou Zosze Kósta), o narrador do romance de Chico Buarque, descreve a sensação de estar dentro de uma ficção em seus passeios pela orla do Rio:
"As pessoas que eu topava (...) não me pareciam afeitas ao ambiente. Às vezes eu as via como figurantes de um filme que caminhassem para lá e para cá, ou pedalassem na ciclovia a mando do diretor. E as patinadoras seriam profissionais, ganhariam cachês os moleques de rua, ao volante dos carros estariam dublês, fazendo barbaridades na avenida."
Embora distante, essa passagem de mestre veio com força à memória na última sexta, diante da imagem da multidão aglomerada e disposta a linchar o casal suspeito pelo assassinato de Isabella.
Aqueles tipos pareciam figurantes, coadjuvantes, dublês involuntários num filme B de horror. Um "popular" se exibe fantasiado de Bin Laden; outro vem de Cuiabá, 12 horas na estrada; um terceiro surge com um bolo de aniversário, devorado em segundos pelos "curiosos".
A novidade, porém, não está na atuação desses zumbis sociais; o que agora espanta não é apenas a fúria carnavalesca deste lúmpen da sociedade do espetáculo.
Quando o programa da Record coloca, no meio da tarde, uma cama no palco para reproduzir, no estúdio, o quartinho da menina, a apelação abjeta desse teatro parajornalístico é muito evidente.
E quando a Rede Globo decide transmitir ao vivo, durante três horas, sem intervalos, as imagens do casal acossado no dia dos depoimentos -o que devemos pensar?
Não excluo, evidentemente, a mídia impressa -nem a Folha- dos comentários. Mas é a TV, como se sabe, quem chega às massas, ainda mais neste país. A morte de Isabella já se tornou um capítulo de uma guerra desembestada por audiência. E o jornalismo dito "sério" está a reboque dessa escalada bárbara.Ou, quem sabe, William Bonner seja apenas um ator da novela das oito representando um locutor que nos narra uma tragédia grega...
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