Assessoria: a crise de identidade faz 100 anos
Por Paulo Nassar no Terra Magazine:
"As duas últimas semanas foram muito ricas para quem observou profissionalmente as burradas e os acertos no mundo da comunicação empresarial. Pela ordem: a queda maçante do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, foi um evento estelar, um "Big bang" da Comunicação Organizacional, que aponta para onde as coisas se iniciaram e ainda faz pobres mortais e até ombudsman, como o Marcelo Beraba, da Folha de S.Paulo, perguntarem coisas ontológicas como: assessor de comunicação é jornalista?
Vira e mexe, esta pergunta é feita quando um jornalista puro-sangue se mete em confusão, que pode conspurcar a nobre profissão. No caso, o assessor de comunicação de Palocci, o jornalista Marcelo Netto, supostamente envolvido na quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. Embora ilegal, era parte de uma estratégia de comunicação, com objetivo de desqualificar o caseiro, que desmentia o ministro Palocci, de freqüentar uma casa de lobistas em Brasília.
A quebra de sigilo, seguida do vazamento para a imprensa dos dados bancários do caseiro, reacenderam a discussão do conflito de interesses entre assessor de imprensa e jornalista. Beraba, na Folha de São Paulo do dia 9 de abril, desdobrou esse debate: "um assessor de Ministério, que tem acesso a informações estratégicas, deve agir como assessor e preservar a reserva, ou deve agir como repórter e passar a informação adiante? Há justificativa ética para o vazamento de uma ilegalidade, para proteger um ministro sob acusações?".
Ser ou não ser. Esta é a questão. E o problema, no fundo, é de identidade profissional: uma parte da humanidade afirma que assessor de imprensa não é jornalista e que assessoria de imprensa é uma atividade do mundo das relações públicas. A outra parte da humanidade afirma que é jornalista e nela se incluem os sindicatos de jornalistas (que querem mais associados, mais taxa associativa e mais representatividade) e os assessores interessados. Entre os que juram de pés juntos que assessor de imprensa não é jornalista estão personalidades como Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, Eugênio Bucci, presidente da Radiobrás e autor do livro Ética e Imprensa (Companhia das Letras), e ainda Ricardo Noblat, o jornalista blogueiro.
Entre eles, com todo o respeito ao honesto ganha-pão dos assessores, há quem sugira o afastamento público, uma quarentena, para jornalistas que vão trabalhar com comunicação de empresa ou instituição. Lembram também que em inúmeros países, inclusive os Estados Unidos, os jornalistas ungidos com cargos nas organizações, avisam seus sindicatos e se afastam.
Noblat, em artigo, Assim é, se lhe parece, para a revista Comunicação Empresarial (nº 47, de 2003), lançou um míssil retórico: "Em última instância, quem paga o salário do jornalista é o público, que consome o que ele apura e divulga. Quem paga o salário do assessor de imprensa é a empresa, entidade, governo ou figura pública que o contratou. No dia em que um assessor de imprensa for capaz de distribuir notícias contra os seus clientes, estará fazendo jornalismo - e deixará de ser assessor de imprensa. O que ele faz tem mais a ver com relações públicas e propaganda do que com jornalismo".
Lembro, colaborando com a afirmação de Noblat, que o pai das Relações Públicas, o jornalista norte-americano, Ivy Lee, há exatos 100 anos, em 1906, ao ser contratado para melhorar a imagem do magnata John D. Rockefeller, avisou seus coleguinhas jornalistas, o mercado, a sociedade e, numa atitude digna dos iluministas, que propugnavam a separação clara entre Estado e Igreja se afastou da profissão. Lee foi para o outro lado do balcão. Nem certo, nem errado. Com certeza, virou empresário da comunicação, ficou menos estressado e muito, muito, mais rico.
Radical Chique e o terror dos RPs
Outro fato da comunicação empresarial digno de ser coberto pelos "new journalists" foi a presença do rapper MV Bill na Daslu, em 05 de abril. Lembrou em cheio o livro de Tom Wolfe, Radical Chique & o Terror dos RPs, publicado nos EUA, em 1970. Nele, Wolfe narra uma festa, convocada pelo maestro Leonard Bernstein e realizada em seu apartamento. O encontro de VIPs tinha como objetivo juntar sacolas de dólares para financiar os Panteras Negras, os famosos militantes negros daquela época. Wolfe narra com onomatopéias o ambiente que juntava penteados pixains maximalistas e queijos franceses:
"Huuuuuuuummmmmmmmmm. Estes belos pedacinhos de queijo roquefort cobertos com nozes moídas assim, e de pontas de aspargos molhadas em maionese e de almôndegas petites au Coq Hardi, que neste momento são oferecidas a eles em salvas de prata por criadas de libré preto e aventais brancos passados manualmente... O mordomo levará os drinques para eles... Negue se quiser, mas são essas as pensées métaphysiques que passam pela cabeça nessas noites Radicais Chiques hoje em Nova York".
O evento MV Bill - Daslu teve quase todos os ingredientes radicais chiques narrados por Wolfe, inclusive um exército de copeiras de uniformes pretos e aventais brancos.
MV Bill, que tem a cabeça rapada como o carismático Malcom X, líder assassinado em 1965, encarna, no momento, para as corporações empresariais e de mídia, o espírito dos nossos dias: uma época carregada de fervor pela chamada responsabilidade social, que sempre pode render dividendos tangíveis e intangíveis para empresas, acadêmicos, ONGs e revistas de negócios. MV Bill depois de levar o seu discurso de mano para o Fantástico, para a audiência com o presidente Lula e para a Daslu, estará essa semana na Escola de Comunicações e Artes, ECA, na USP."
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